terça-feira, 25 de agosto de 2009

Grotowski


Grotowski é único porque ninguém mais desde de Stanislavski, investigou a natureza da representação teatral, seu fenômeno, seu significado, a natureza e a ciência e seus processos mental–físico-emocionais tão profunda e completamente quanto ele.
Grotowski considera seu teatro um laboratório, um centro de pesquisa. Talvez seja o único teatro de vanguarda cuja pobreza não significa inconveniente, onde a falta de dinheiro não é justificativa para meios inadequados que, automaticamente, prejudicam as experiências. No seu teatro as experiências são cientificamente válidas porque são observadas as condições essenciais. Existe uma concentração absoluta por um pequeno grupo, e tempo limitado.
O livro “Em busca de um teatro pobre” de Grotowski é uma fonte importante de informações sobre arte do ator (seu corpo e sua mente) sem depender de outros elementos. Para as pessoas diretamente ligadas ao trabalho teatral, um aspecto do livro que merece destaque é a importância que ele atribui a formação técnica que obedece a exigências sem precedentes. A sua revolução teatral, a mais espiritual/religiosa que se possa conceber em termos contemporâneos, só é possível a partir do momento em que o ator celebrante supera por completo todos os obstáculos que seu corpo coloca diante dele.
Diz Grotowski: “Consideramos a técnica cênica e pessoal do ator como a essência da arte teatral”
Alguns trechos do livro “Em busca de um teatro pobre”:

• “Criei-me com o método de Stanislavski; seu estudo persistente, sua renovação sistemática dos métodos de observação e seu relacionamento dialético com seu próprio trabalho anterior fizeram dele o meu ideal pessoal. Stanislavski investigou os problemas metodológicos fundamentais. Nossas soluções contudo, diferem profundamente das suas; por vezes, atingimos conclusões opostas”.

• Tudo está concentrado no amadurecimento do ator, que é expresso por uma tensão levada ao extremo, por um completo despojamento, pelo desnudamento do que há de mais íntimo – tudo isso sem o menor traço de egoísmo e de auto satisfação. O ator faz uma total doação de si mesmo. Essa é uma técnica de “transe” e de integração de todos os poderes corporais e psíquicos do ator, os quais emergem do mais íntimo do seu ser e do seu instinto, explodindo uma espécie de “transiluminação“.

• Pela eliminação gradual de tudo que se mostrou supérfluo, percebemos que o teatro pode existir sem maquiagem, sem figurino especial e sem cenografia, sem um espaço isolado para a representação (palco), sem efeitos sonoros e luminosos, etc. Só não pode existir sem o relacionamento ator/espectador, de comunhão perceptiva, direta, viva. Trata-se, sem dúvida, de uma verdade teoria antiga, mas quando rigorosamente testada na prática destrói a maioria das nossas idéias comuns sobre teatro. Desafia a noção de teatro como síntese de disciplinas criativas diversas – literatura, escultura, pintura, arquitetura, iluminação, representação (sob o comando de um diretor). Este “teatro sintético” é o teatro contemporâneo que chamamos de “teatro rico” – rico em defeitos.


• “O Teatro Rico” baseia-se em cleptomania artística, tomando de outras disciplinas, construindo espetáculos híbridos, conglomerados sem espinha dorsal ou integridade, embora apresentados como trabalho artístico orgânico. Pela multiplicação dos elementos assimilados o “teatro rico” tenta fugir do impasse em que o colocam o cinema e a televisão. Como o cinema e a TV são superiores nas funções mecânicas (montagem, mudanças instantâneas de lugar, etc.), o “Teatro rico” reagiu criando o que foi chamado de teatro total: a integração de mecanismos emprestados (projeções, por exemplo), palco e platéia móveis e outros artifícios. Proponho a pobreza no teatro. Renunciamos a uma área determinada para o palco e para a platéia: para cada montagem, um novo espaço é desenhado para os atores e espectadores. Dessa forma, torna-se possível infinita variedade no relacionamento entre atores e público. Os atores podem representar entre os espectadores, estabelecendo um contato direto com a platéia.

• A composição de uma expressão facial fixa através do uso dos próprios músculos do ator e de seus impulsos interiores, atinge o efeito de uma transubstanciação notavelmente teatral, enquanto a máscara preparada pelo maquiador é apenas um truque. A aceitação da pobreza no teatro, despojado de tudo que não lhe é essencial, revelou-nos não somente a espinha dorsal do teatro como instrumento, mas também as riquezas profundas que existem na verdadeira natureza da forma de arte. O teatro com sua extraordinária perceptibilidade, sempre me pareceu um lugar de provocação. É capaz de desafiar o próprio teatro e o público, violando estereótipos convencionais de visão, sentimento e julgamento. Esta transgressão provoca a surpresa que arranca a máscara, capacitando-nos a nos entregar, indefesos, a algo que é impossível de ser definido, mas que contém Eros e Caritas (amor e doação).


• Quando confrontamos a Reforma do Teatro, de Stanislavski, a Dullin e de Meyerhold a Artaud, verificamos que não partimos da estaca zero, e que nos movimentamos numa atmosfera especial e definida. Se nossa pesquisa revela e confirma o lampejo da intuição de outros, curvamo-nos com humildade.

Na abertura do livro “Em busca de um teatro pobre”, Eugenio Barba, seguidor de Grotowski que tem grande influência no teatro contemporâneo brasileiro, diz:
“Pode o teatro existir sem platéia? Pelo menos um espectador é necessário para que se faça uma representação. Assim, ficamos com o ator e o espectador. Podemos então definir o teatro como” “o que ocorre entre o espectador e o ator”. Todas as outras coisas são suplementares – talvez necessárias, mas ainda assim suplementares. Não foi por mera coincidência que nosso teatro laboratório se desenvolveu a partir de um teatro rico em recursos – dos quais as artes plásticas, a iluminação e a música eram constantemente usadas – para o teatro ascético no qual os atores e os espectadores são tudo o que existe. Todos os outros elementos visuais são construídos através do corpo do ator, e os efeitos musicais e acústicos através de sua voz. Isso não significa que não empreguemos a literatura, mas sim que não a consideramos a parte criativa do teatro, mesmo que os grandes trabalhos literários possam sem nenhuma dúvida, ter um efeito estimulante na sua gênese. Já que o nosso teatro consiste somente de atores e espectadores, fazemos exigências especiais a ambas as partes. Embora não possamos educar os espectadores – pelo menos, não sistematicamente – podemos educar o ator.

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